Discografias Comentadas Engenheiros Do Hawaii (Parte II)

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Luciano Granja, Humberto Gessinger, Adal Fonseca e Lúcio Dorfman
Por Adriano “Groucho” KCarão
A discografia comentada desta que é, provavelmente, a mais aclamada banda gaúcha e, certamente, uma das maiores bandas nacionais de todos os tempos. Encerramos a primeira parte com o álbum Gessinger, Licks & Maltz, último a contar com o guitarrista Augusto Licks na formação e, segundo muitos, último disco da fase clássica da banda. Após um conflito envolvendo os direitos sobre o nome do grupo, Gessinger e Maltz dão prosseguimento à carreira dos Engenheiros do Hawaii, a qual passará por várias formações diferentes, lançando discos igualmente bem distintos entre si. Se a banda já passa longe de ser unanimidade entre os fãs de rock, essa sua segunda fase é ainda mais controversa, mesmo entre os seus fãs. Justamente por isso, convido o leitor a seguir o texto com atenção e, se possível, conferir, isentando-se ao máximo de preconceitos, se meus elogios coincidem ou não com a realidade. Garanto que não é só uma promessa.
Simples de Coração [1995]                                
O leitor deve se lembrar do quanto ovacionamos o grande disco GLM e, mais ainda, o semi-acústico Filmes de Guerra, Canções de Amor na matéria passada, o que nos faz pensar em como teria sido bom a continuidade de Licks na banda. Bem, devo dizer que essa linha de pensamento seria possível pra mim, mas apenas ali por 1994. Isto, porque em 1995, Gessinger e Maltz, aliados aos genialíssimos guitarristas Ricardo Horn, Fernando Deluqui (ex-RPM) e ao acordeonista e tecladista Paolo Casarin, fazem qualquer pessoa minimamente dotada de juízo e audição, com todo o respeito, louvar a saída de Augusto Licks! Que o mago brasileiro das seis cordas me perdoe o artifício, mas só uma afirmação exagerada como essa consegue expressar minimamente o impacto que Simples de Coração teve sobre mim desde que parei pra ouvi-lo e que se mantém sobre mim até hoje! Com ainda mais referências progressivas que GLM, mas somando perfeitamente influências gaúchas e brasileiras em geral, um certo peso aqui e ali, melodias e letras comoventes, tudo na medida mais justa, Simples de Coração é meu álbum de estúdio favorito de toda a música brasileira, e há momentos em que arrisca tomar o lugar mesmo do ao vivoFilmes de Guerra, Canções de Amor. As sete primeiras faixas (!) são de uma genialidade ímpar, todas comoventes, muito bem arranjadas e interpretadas, fazendo inveja a qualquer boa coletânea, de forma que não consigo destacar nenhuma entre elas. “O Castelo dos Destinos Cruzados”, onde Maltz assume os vocais e Gessinger fica em segundo plano, também é lindíssima. As três últimas faixas são igualmente ótimas, principalmente “Vícios de Linguagem”, mas, depois do que você já ouviu no disco, chegam a parecer medíocres – e eu garanto que não são. Amigo, se o céu é só uma promessa e você tem pressa, escute esse disco! É talvez a experiência mais próxima do que seria o Paraíso.
P.S.: Simples de Coração foi gravado em Los Angeles e chegou a receber uma versão em inglês, mas que não foi lançada. Entretanto, uma versão de baixa qualidade vazou pela internet e pode ser facilmente conferida – embora não valha tanto a pena.
Paralelamente aos trabalhos com os Engenheiros, Gessinger tocava no trio 33 de Espadas, que contava ainda com o guitarrista Luciano Granja e o baterista Adal Fonseca. A formação acabou dando origem ao disco Humberto Gessinger Trio, com o grupo tendo assumido esse nome, embora nos shows fosse apresentado, por questões de marketing, como Engenheiros do Hawaii. Algumas músicas desse álbum passaram a fazer parte do repertório ao vivo dos Engenheiros, inclusive com bastante sucesso, como “O Preço” e “Vida Real”. Mas, embora haja outros momentos dignos de nota ao longo do disco, o real destaque fica por conta de “Irradiação Fóssil”, faixa bem mais pesada que a média do som dos Engenheiros.
Minuano [1997]
Com Maltz e os demais membros recém chegados abandonando o barco, o Humberto Gessinger Trio junta-se ao tecladista Lúcio Dorfmann, e esta formação passa a ser a nova encarnação dos Engenheiros do Hawaii, a qual lança o álbum Minuano. Durante muitíssimo tempo, vi esse disco com não muito bons olhos, principalmente porque a porta de entrada ao mesmo foram a versão de “Alucinação” de Belchior – boa, mas nada de impressionante – e a mediana faixa “A Montanha”. Mas, reouvindo o disco com mais atenção, notei que é um trabalho bastante sólido, tendo mesmo alguns momentos bastante inspirados, dignos dos melhores momentos da banda. A sonoridade se aproxima mais do que se fazia em MPB e pop nos anos 90, mas em geral o resultado é ótimo! As letras também continuam muito boas, sem o exagero das figuras de linguagem tão comum ao repertório de Gessinger. “Nuvem” é mais uma boa balada ao piano, enquanto que a dinâmica “Sem Problemas” e “3 Minutos” apresentam os primeiros bons resultados da nova sonoridade pop da banda. Mas o maior destaque fica por conta da belíssima “Humano Demais”, mais um trunfo que a banda pode carregar com louvor.
Tchau Radar! [1999]
Dizem que a chama da vela cresce logo antes de se apagar. Se Minuano já havia demonstrado que essa metáfora não se aplicava aos Engenheiros deSimples de CoraçãoTchau Radar!vem afastar ainda mais quaisquer rumores de crise musical na banda. O sucesso do álbum foi de fato “Eu Que Não Amo Você”, mas, embora esta seja uma boa faixa, ela fica muito longe de ser a melhor do disco. Insistindo na sonoridade iniciada no álbum anterior, mas apresentando bem mais referências à MPB – inclusive o disco conta com a versão de Caetano Veloso pra “It’s All Over Now, Baby Blue”, de Bob Dylan, que se tornou “Negro Amor”, e a canção “Cruzada”, de Márcio Borges e Tavinho Moura –, Gessinger e companhia trazem uma coleção de belíssimas canções ainda superior à de Minuano, como se aqui eles apresentassem o resultado aprimorado do que aprenderam na gravação daquele disco. As faixas já citadas são as mais medianas, enquanto que o restante do disco varia do bom ao excelente. O destaque maior vai pras belíssimas “10.000 Destinos”, “Na Real”, “3×4” e “Melhor Assim”. Esta, assim como a também lindíssima “Nada Fácil”, reapresentam a sonoridade pop iniciada com “3 Minutos”, mas aqui de forma mais agitada. O título e a capa desse disco, ambos bem despojados, parecem representar a despreocupação da banda com o peso de seu passado, conscientíssimos de que os Engenheiros têm ainda muito a oferecer.
No ano de 2000, pela última vez, a banda lança seu periódico disco ao vivo, no caso o razoável 10.000 Destinos. O disco apresenta as originais de estúdio “Números” e “Novos Horizontes”, além das versões pra “Rádio Pirata”, do RPM, e “Quando o Carnaval Chegar”, de Chico Buarque. Em 2002, sai 10.001 Destinos, disco duplo contendo todas as faixas de 10.000 Destinos e mais sete regravações de músicas já lançadas – inclusive do Humberto Gessinger Trio – com a nova formação da banda: Gessinger na voz e guitarra, Paulinho Galvão na guitarra, Bernardo Fonseca no baixo e Gláucio Ayala na bateria.
Surfando Karmas & DNA [2002]
Com essa nova formação, os Engenheiros lançam um disco um tanto controverso, com momentos de genialidade exacerbada e outros de demasiada tosquice. As composições de Gessinger em parceria com Paulinho Galvão (“Pra Ficar Legal”, “Ritos de Passagem” e “Sei Não”) dificilmente me agradam. “3ª do Plural” e, principalmente, “Nunca Mais” (versão de “Lullaby”, de Shawn Mullins), sendo sobras de outros discos, aqui não deixam tanto de sobrar. “Esportes Radicais”, embora traga uma sonoridade já bem anos 2000, com a qual não me identifico muito, é uma faixa de que gosto bastante. “Nem + 1 Dia” apresenta os primeiros traços daquele som mais complexo e dramático que a banda se acostumou a fazer. “e-stória” surgiu de uma ótima ideia, a de fazer uma canção a partir da troca de e-mails de Gessinger com o “ex-Engenheiro” Carlos Maltz, e a ideia deu muito certo, principalmente com a participação do músico nos vocais e de Renato Borghetti na harmônica. Mas os verdadeiros destaques do álbum são as duas últimas canções: “Datas e Nomes”, mais uma belíssima faixa agitada, como as do disco anterior, e “Arame Farpado”, faixa genialmente pesada e envolvente. Surfando Karmas & DNA, como já afirmei, é estranho, inconstante, mas não decepciona.
Dançando no Campo Minado [2003]
Já devo ter perdido o respeito da maior parte dos meus amigos por escrever essa discografia comentada, mas, se alguns camaradas leais ainda persistem a meu lado, é provável que eu perca sua companhia por conta das linhas que seguem. Uma coisa é dizer que os Engenheiros não acabaram com a saída de Licks; uma coisa é elogiar um disco como Simples de Coração; outra coisa muito diferente é dizer que Dançando no Campo Minado é provavelmente um dos cinco melhores discos da carreira dos Engenheiros do Hawaii! E eu o afirmo. É inegável que a banda flertou promiscuamente com as novas sonoridades do rock nacional, mas o fato é que o resultado me soou muito bom! “Duas Noites no Deserto” pode ser facilmente classificada como emocore, mas é uma canção lindíssima, não posso negar. Gessinger mostra à nova geração que pode descer ao terreno deles e jogar uma partida muito melhor que eles próprios. O único defeito desse disco é, curiosamente, a faixa que mais fez sucesso, “Até o Fim”, música tão chata que eu geralmente nem lembro que se encontra no meio desse álbum, manchando o que seria um clássico perfeito. O mais interessante é que os maiores destaques do disco são as parcerias de Gessinger com Paulinho Galvão: “Camuflagem”, “Dom Quixote”, Fusão a Frio” e “Outono em Porto Alegre”. O guitarrista passou a acertar a mão, permitindo a concepção de um disco bem melhor que o anterior. Além destes quatro clássicos, temos ainda a belíssima faixa-título e as duas “Segunda-Feira Blues”, parcerias de Gessinger com Maltz, das quais a segunda parte, cantada por este, é certamente a melhor. Tenho sérias dúvidas de que muita gente vá passar a concordar com a minha apreciação desse disco, mas sugiro que o leitor dê ao menos uma chance a ele: pouco mais de meia horinha não lhe trará tanto incômodo. Saia da zona de conforto; dance nesse campo minado.
Após esse último álbum, a banda se resumiu a lançar discos ao vivo, no caso o Acústico MTV (2004) e o Acústico II: Novos Horizontes (2007) – além da participação no Lual MTV, do qual vale destacar apenas a presença de uma versão de “The Logical Song”, do Supertramp, sob o título de “Fábula”, que, originalmente, sairia no álbum Tchau Radar!. OAcústico MTV conta com três faixas inéditas, “Armas Químicas e Poemas”, “Depois de Nós” e “Outras Frequências”, das quais a menos fraca é “Depois de Nós”, parceria com Carlos Maltz, que participou da gravação nos vocais.
Acústico II: Novos Horizontes, lançado tanto em DVD como em CD, conta com nove faixas inéditas, mas gravadas ao vivo, como todo o resto. Talvez eu pudesse ter dedicado um tópico pra esse disco, mas explico o principal motivo – além do fato de ele ser ao vivo – pra não tê-lo feito. Sabe aquela galera do bairro, todos fãs de Engenheiros, que resolvem montar uma banda cover e, depois de um tempo de estrada, resolvem fazer um som autoral, mas que quando você escuta, você deseja que eles voltem a tocar cover? Isso define exatamente a sensação que se tem ao ouvir esse disco. A única faixa que se sobressai um pouquinho é “Coração Blindado”, cuja letra foi certamente inspirada em “ The Bravery of Being Out of Range”, da carreira-solo de Roger Waters.
Gessinger se reuniria posteriormente com o guitarrista Duca Leindecker (Cidadão Quem), formando o grupo Pouca Vogal, que lançou um fabuloso álbum de estúdio e um disco ao vivo já não tão fabuloso. Um tempinho depois, o Pouca Vogal se desfez, e Gessinger se uniu com outros músicos, passando a excursionar novamente com o nome de Engenheiros do Hawaii, mas sem lançar nada novo de estúdio, por ora.



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