Discografias Comentadas Engenheiros do Hawaii (Parte I)

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Carlos Maltz, Humberto Gessinger e Augusto Licks

Por Adriano “Groucho” KCarão


Com a proximidade da comemoração do dia 20 de setembro (início da Guerra dos Farrapos), feriado no Rio Grande do Sul, e sendo a equipe da Consultoria do Rock constituída em sua maior parte de rapazes oriundos desse povo dos pampas, alegre como o nome da sua capital, eu, cearense, apresento alguns comentários à discografia dessa banda gaúcha que é uma das minhas favoritas do rock em geral.
Apresentamos seis discos, do primeiro até o portentoso Gessinger, Licks & Maltz, último de estúdio a contar com Augusto Licks na guitarra. Na próxima semana – se os separatistas gaúchos não forem bem-sucedidos em seus planos, gerando um racha nada salutar entre os consultores –, veremos a segunda parte da discografia, do singularíssimo Simples de Coração até o último disco de estúdio da banda até o momento, Dançando no Campo Minado.
Como o leitor já deve saber, ou ao menos percebeu neste momento, abordaremos apenas os álbuns de estúdio, mas, obviamente, faremos menções minimamente justas aos seus principais discos ao vivo, que contam com pelo menos duas faixas inéditas, ademais de algumas performances diferentes e inspiradíssimas de canções lançadas previamente. Desde já uma curiosidade: Gessinger, fã de progressivo, sempre quis fazer dos Engenheiros o Rush brasileiro (daí perguntamos: Rush é progressivo?!), não obviamente pela via do virtuosismo, mas lançando discos ao vivo sempre após uma quantidade constante de álbuns de estúdio (isto, pelo menos até 10.000 Destinos, disco ao vivo de 2000), além de a banda ter sido por um bom tempo um trio, com o baixista sendo também vocalista.

Você, que hoje acordou mais cedo, tome seu chimarrão, e nos acompanhe nessa highway: não será em vão.
Longe Demais das Capitais [1986]
Por sorte, eu nem tinha nascido quando os Engenheiros surgiram no mercado musical. Se eu os tivesse conhecido por esse disco, muito provavelmente eu não acompanharia o trabalho da banda, a não ser que quisesse lhe dar uma segunda chance. Apresentando Humberto Gessinger no vocal e guitarra, Marcelo Pitz no baixo e Carlos Maltz na bateria, o disco tem bons momentos, mas a sonoridade não me agrada. É um álbum bem datado, mas nem é esse seu defeito. Além de o baixo de Pitz ficar em evidência de uma forma bem esquisita, as letras são esquisitamente críticas e intelectuais, e a voz de Gessinger tem uma emotividade igualmente esquisita. Com exceção da parte do baixo, essa esquisitice toda me parece ser nada mais que a manifestação do ego inflado de Gessinger, mais visível aqui que nos próximos álbuns. Mas é bom notar que a guitarra de Gessinger era bem interessante, enquanto que o baixo, que ele assumiria nos próximos discos, se tornaria nos mesmos menos sobressalente, embora a performance fosse tão boa quanto ou, geralmente, melhor do que aqui. Além disso, o disco apresenta bons momentos, como “Toda Forma de Poder” (com participação de Nei Lisboa no vocal), “Segurança” e, como tentativa, “Beijos pra Torcida”. Quanto à faixa-título, a única coisa legal é sua introdução. Longe demais ainda de ser o Engenheiros que eu adoro.

A Revolta dos Dândis [1987]
Agora, sim, a banda acertou a mão! O segundo disco de Gessinger e companhia, primeiro com Augusto Licks (que acompanhava o já citado Nei Lisboa) na guitarra, apresenta nada menos que quatro dos maiores clássicos da história do rock nacional, daqueles que qualquer um na rua sabe cantar ao menos um trecho: “A Revolta dos Dândis I”, “Terra de Gigantes”, “Infinita Highway” e “Refrão de Bolero”. E, embora tais faixas sejam músicas realmente lindas e marcantes, em especial “Refrão de Bolero”, a verdadeira jóia do disco é “A Revolta dos Dândis II”, fortíssima candidata a melhor faixa da história da banda, uma das melodias mais perfeitas já compostas dentro do rock pós-anos 70, e uma interpretação igualmente perfeita de Gessinger, no vocal e no baixo. E, falando em baixo, tanto nas faixas mencionadas como nas demais, os desníveis e a desarmonia do primeiro disco, em termos tanto de música como de letra, foram totalmente corrigidos, dificilmente agredindo nossos ouvidos ou nosso intelecto. “Guardas da Fronteira”, com participação de Julio Reny no vocal, é, sim, um pouco forçação de barra, mas não compromete o conjunto da obra. Encerrando, o único motivo que me fez não destacar “Além dos Outdoors” é a profunda dúvida que sinto sobre qual a versão mais fenomenal da faixa, se esta ou a do disco Filmes de Guerra, Canções de Amor (1993), cujo título vem de uma faixa de A Revolta dos Dândis, onde Gessinger divide o vocal com o baterista Carlos Maltz.

Ouça o Que Eu Digo, Não Ouça Ninguém [1988]
A sequência de A Revolta dos Dândis não mantém o nível que a banda havia atingido, mas, levando em conta que este era altíssimo, a banda pode ser facilmente absolvida. Principalmente quando, logo na abertura, a banda nos atira ao rosto essa maravilha de faixa-título, uma lindeza em todos os aspectos, com musicalidade na linha de “A Revolta dos Dândis II”, mas casando perfeitamente com a belíssima e instigante letra. O outro hit do disco, “Somos Quem Podemos Ser” é uma faixa da banda que sempre encarei de forma ambígua: ela possui uma beleza musical inegável, e muitas vezes me agrada ouvi-la, mas algo na sua atmosfera me incomoda, coisa pessoal. Outros destaques aqui são “Cidade em Chamas”, “Nunca Se Sabe” e “A Verdade a Ver Navios”. O restante do disco não é de forma alguma ruim, mas também não é marcante como os melhores momentos da banda. “Variações Sobre um Mesmo Tema” contém um trecho onde Licks assume os vocais, mas a considero uma faixa apenas boa.
Iniciando seu periódico lançamento de discos ao vivo, todos contando com faixas inéditas, os Engenheiros lançam em 1989 Alívio Imediato, cuja faixa-título é mais um clássico inesquecível no repertório da banda e do rock brasileiro. Apesar disso, os melhores momentos do disco são, indubitavelmente, “Nau à Deriva”, também inédita, e a melhor versão já gravada de “Infinita Highway”.

O Papa É Pop [1990]
Já publicamos aqui uma resenha mais detalhada e problematizadora sobre esse disco, na série Os Sete Pecados do Rock Nacional, e você pode conferi-la aqui. O Papa É Pop traz algumas características peculiares, a saber, o uso de bateria eletrônica e um excesso de efeitos e referências sonoras, na linha das colagens que o Pink Floyd costumava fazer. (Inclusive, um verso de “Time” é citado em “Anoiteceu em Porto Alegre”, após o verso “Here comes the Sun”.) O resultado, muitas vezes, foi excelente, como naquelas duas faixas que todos já ouviram até dizer chega, isto é, “Era um Garoto que Como Eu Amava os Beatles e os Rolling Stones”, incrível versão da versão dos Incríveis pra uma canção italiana, e a linda faixa-título, em cuja letra Gessinger se arrisca na sutil fronteira entre o divertido e o ridículo de seus jogos de palavras, conseguindo desta vez um resultado satisfatório. “Pra Ser Sincero” não é clássico por acaso. Uma construção dramática perfeita, mais ou menos na linha de “Refrão de Bolero”, com uma beleza tão inegável que faz quase toda a população brasileira católica fingir que nem escuta o verso “Por ter vendido a alma ao diabo”. Outros destaques são as duas partes da clássica “O Exército de Um Homem Só”, “Nunca Mais Poder” e “Olhos Iguais aos Seus”. A ideia da banda de pôr efeitos de inversão da faixa “Ilusão de Ótica”, a meu ver, não passou de uma boa ideia. O lançamento em CD de O Papa É Pop receberia como bônus a faixa “Perfeita Simetria”, nada mais que a faixa-título com uma letra diferente, mas bem interessante.
Várias Variáveis [1991]
A banda deu uma passada em São Paulo, após algum tempo já em terras cariocas, desde o tempo do disco Alívio Imediato, e passou a se sentir nostálgica de sua terra natal. De acordo com Gessinger, só nesse momento ele realmente se interessou pela cultura gaúcha, o que vem representado aqui na belíssima versão de “Herdeiro da Pampa Pobre”, do Gaúcho da Fronteira, a qual se tornou indissociável da imagem dos Engenheiros e é mais um clássico pra sua carreira. Outro clássico é “Piano Bar”, que eu, particularmente, não gosto tanto como a maioria, mas não nego que seja muito linda e inspirada, inclusive com um dos melhores trabalhos de Licks na guitarra. Melhores do que ela, a meu ver, são as faixas “Ando Só” e “Muros e Grades” (esta com um riff idêntico ao de “Back on the Chain Gang”, canção do disco Learning to Crawl, de 1984, dos Pretenders), as quais, embora já ótimas, aparecem aqui como potências de algo muito superior, o que seria realizado nas versões matadoras presentes no ao vivo Filmes de Guerra, Canções de Amor. O restante do disco varia entre momentos mais inspirados, outros menos, dos quais posso ainda destacar “Quarto de Hotel” e o encerramento com “Nunca É Sempre”. “Sampa no Walkman” é a única que considero realmente fraca.
Gessinger, Licks & Maltz [1992] 
Não sou viúva de Augusto Licks (e recomendo FORTEMENTE a leitura da segunda parte dessa discografia, pra que o leitor entenda bem o porquê), mas, ao ouvir o último disco dessa clássica formação dos Engenheiros – estampada no título do álbum –, realmente paro pra pensar em como teria sido o restante da carreira do grupo com a continuidade desse guitarrista. Gessinger Licks & Maltz (ou GLM) é um disco quase perfeito, genial em muitos momentos, sendo o favorito de boa parte dos fãs. Apesar disso, apenas duas faixas suas constituem clássicos, lembrados por todos os fãs: as belíssimas “Ninguém = Ninguém” e “Parabólica”. Uma característica de GLM é a maior aproximação às influências progressivas de Gessinger, simbolizada no título do álbum e no logo da capa, que imitam, respectivamente, o nome e o logo do Emerson, Lake & Palmer, e podemos ouvir tais influências diluídas ao longo das faixas, especialmente nas três finais. É uma pena que o disco encerre com uma referência àquela “Sampa no Walkman”, talvez a falha maior em todo o álbum, uma vez que “Pampa no Walkman” é infinitamente superior à sua quase xará. “Túnel do Tempo”, “Pose (Anos 90)”, “No Inverno Fica Tarde + Cedo” e “Canibal Vegetariano Devora Planta Carnívora” são absurdas de tão lindas! Os poucos momentos mais fracos do disco não chegam a comprometer uma obra que contém tantas maravilhas. E os Engenheiros do Hawaii podiam até não ter se tornado três que valiam por uma orquestra, mas demonstravam pelo menos serem uma das melhores coisas surgidas na música das últimas décadas.
Após lançarem talvez seu melhor álbum de estúdio até o momento, seguindo a periodicidade mencionada, os Engenheiros lançam em 1993 o ao vivo Filmes de Guerra, Canções de Amor, um disco ainda melhor, muito melhor! Considero esse disco a melhor coisa que a música brasileira já produziu em todos os tempos. Das duas uma: ou eu não devo realmente sacar coisa alguma de música brasileira, ou você, caro leitor que eventualmente não conheça esse álbum, precisa urgentemente correr atrás dele! Ademais das versões matadoras de “Além dos Outdoors”, “Pra Entender”, “Crônica”, “Muros & Grades”, “Ando Só” (mais uma candidata a melhor do grupo) e “O Exército de um Homem Só”, temos as inéditas “Mapas do Acaso”, “¿Quanto Vale a Vida?” (ambas ao vivo), “Às Vezes Nunca” e “Realidade Virtual” (ambas de estúdio), todas ótimas, em especial essas três últimas, peças genialíssimas. Peço perdão pela menção um pouco demorada a esse disco, mas ele é nada menos que meu favorito da carreira da banda, e não é tão exagerado considerá-lo como quase um álbum de inéditas; ouça e confirme!
Depois de Filmes de Guerra, Canções de Amor, como já foi indicado aqui, o excelente guitarrista Augusto Licks deixou a banda, encerrando aquela que muitos consideram a fase clássica do grupo. Ouço bastante gente dizer que os Engenheiros só foram bons ou “autênticos” até esse momento, opinião que não considero apenas errônea, mas ABSURDA, o que procurarei demonstrar na próxima parte da discografia, a qual eu espero que o leitor tenha a paciência de acompanhar. Com simplicidade de coração, sempre.











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