Discografias Comentadas Engenheiros Do Hawaii (Parte II)

Luciano Granja, Humberto Gessinger, Adal Fonseca e Lúcio Dorfman
Por Adriano “Groucho” KCarão
A discografia comentada desta que é, provavelmente, a mais aclamada banda gaúcha e, certamente, uma das maiores bandas nacionais de todos os tempos. Encerramos a primeira parte com o álbum Gessinger, Licks & Maltz, último a contar com o guitarrista Augusto Licks na formação e, segundo muitos, último disco da fase clássica da banda. Após um conflito envolvendo os direitos sobre o nome do grupo, Gessinger e Maltz dão prosseguimento à carreira dos Engenheiros do Hawaii, a qual passará por várias formações diferentes, lançando discos igualmente bem distintos entre si. Se a banda já passa longe de ser unanimidade entre os fãs de rock, essa sua segunda fase é ainda mais controversa, mesmo entre os seus fãs. Justamente por isso, convido o leitor a seguir o texto com atenção e, se possível, conferir, isentando-se ao máximo de preconceitos, se meus elogios coincidem ou não com a realidade. Garanto que não é só uma promessa.
Simples de Coração [1995]                                
O leitor deve se lembrar do quanto ovacionamos o grande disco GLM e, mais ainda, o semi-acústico Filmes de Guerra, Canções de Amor na matéria passada, o que nos faz pensar em como teria sido bom a continuidade de Licks na banda. Bem, devo dizer que essa linha de pensamento seria possível pra mim, mas apenas ali por 1994. Isto, porque em 1995, Gessinger e Maltz, aliados aos genialíssimos guitarristas Ricardo Horn, Fernando Deluqui (ex-RPM) e ao acordeonista e tecladista Paolo Casarin, fazem qualquer pessoa minimamente dotada de juízo e audição, com todo o respeito, louvar a saída de Augusto Licks! Que o mago brasileiro das seis cordas me perdoe o artifício, mas só uma afirmação exagerada como essa consegue expressar minimamente o impacto que Simples de Coração teve sobre mim desde que parei pra ouvi-lo e que se mantém sobre mim até hoje! Com ainda mais referências progressivas que GLM, mas somando perfeitamente influências gaúchas e brasileiras em geral, um certo peso aqui e ali, melodias e letras comoventes, tudo na medida mais justa, Simples de Coração é meu álbum de estúdio favorito de toda a música brasileira, e há momentos em que arrisca tomar o lugar mesmo do ao vivoFilmes de Guerra, Canções de Amor. As sete primeiras faixas (!) são de uma genialidade ímpar, todas comoventes, muito bem arranjadas e interpretadas, fazendo inveja a qualquer boa coletânea, de forma que não consigo destacar nenhuma entre elas. “O Castelo dos Destinos Cruzados”, onde Maltz assume os vocais e Gessinger fica em segundo plano, também é lindíssima. As três últimas faixas são igualmente ótimas, principalmente “Vícios de Linguagem”, mas, depois do que você já ouviu no disco, chegam a parecer medíocres – e eu garanto que não são. Amigo, se o céu é só uma promessa e você tem pressa, escute esse disco! É talvez a experiência mais próxima do que seria o Paraíso.
P.S.: Simples de Coração foi gravado em Los Angeles e chegou a receber uma versão em inglês, mas que não foi lançada. Entretanto, uma versão de baixa qualidade vazou pela internet e pode ser facilmente conferida – embora não valha tanto a pena.
Paralelamente aos trabalhos com os Engenheiros, Gessinger tocava no trio 33 de Espadas, que contava ainda com o guitarrista Luciano Granja e o baterista Adal Fonseca. A formação acabou dando origem ao disco Humberto Gessinger Trio, com o grupo tendo assumido esse nome, embora nos shows fosse apresentado, por questões de marketing, como Engenheiros do Hawaii. Algumas músicas desse álbum passaram a fazer parte do repertório ao vivo dos Engenheiros, inclusive com bastante sucesso, como “O Preço” e “Vida Real”. Mas, embora haja outros momentos dignos de nota ao longo do disco, o real destaque fica por conta de “Irradiação Fóssil”, faixa bem mais pesada que a média do som dos Engenheiros.
Minuano [1997]
Com Maltz e os demais membros recém chegados abandonando o barco, o Humberto Gessinger Trio junta-se ao tecladista Lúcio Dorfmann, e esta formação passa a ser a nova encarnação dos Engenheiros do Hawaii, a qual lança o álbum Minuano. Durante muitíssimo tempo, vi esse disco com não muito bons olhos, principalmente porque a porta de entrada ao mesmo foram a versão de “Alucinação” de Belchior – boa, mas nada de impressionante – e a mediana faixa “A Montanha”. Mas, reouvindo o disco com mais atenção, notei que é um trabalho bastante sólido, tendo mesmo alguns momentos bastante inspirados, dignos dos melhores momentos da banda. A sonoridade se aproxima mais do que se fazia em MPB e pop nos anos 90, mas em geral o resultado é ótimo! As letras também continuam muito boas, sem o exagero das figuras de linguagem tão comum ao repertório de Gessinger. “Nuvem” é mais uma boa balada ao piano, enquanto que a dinâmica “Sem Problemas” e “3 Minutos” apresentam os primeiros bons resultados da nova sonoridade pop da banda. Mas o maior destaque fica por conta da belíssima “Humano Demais”, mais um trunfo que a banda pode carregar com louvor.
Tchau Radar! [1999]
Dizem que a chama da vela cresce logo antes de se apagar. Se Minuano já havia demonstrado que essa metáfora não se aplicava aos Engenheiros deSimples de CoraçãoTchau Radar!vem afastar ainda mais quaisquer rumores de crise musical na banda. O sucesso do álbum foi de fato “Eu Que Não Amo Você”, mas, embora esta seja uma boa faixa, ela fica muito longe de ser a melhor do disco. Insistindo na sonoridade iniciada no álbum anterior, mas apresentando bem mais referências à MPB – inclusive o disco conta com a versão de Caetano Veloso pra “It’s All Over Now, Baby Blue”, de Bob Dylan, que se tornou “Negro Amor”, e a canção “Cruzada”, de Márcio Borges e Tavinho Moura –, Gessinger e companhia trazem uma coleção de belíssimas canções ainda superior à de Minuano, como se aqui eles apresentassem o resultado aprimorado do que aprenderam na gravação daquele disco. As faixas já citadas são as mais medianas, enquanto que o restante do disco varia do bom ao excelente. O destaque maior vai pras belíssimas “10.000 Destinos”, “Na Real”, “3×4” e “Melhor Assim”. Esta, assim como a também lindíssima “Nada Fácil”, reapresentam a sonoridade pop iniciada com “3 Minutos”, mas aqui de forma mais agitada. O título e a capa desse disco, ambos bem despojados, parecem representar a despreocupação da banda com o peso de seu passado, conscientíssimos de que os Engenheiros têm ainda muito a oferecer.
No ano de 2000, pela última vez, a banda lança seu periódico disco ao vivo, no caso o razoável 10.000 Destinos. O disco apresenta as originais de estúdio “Números” e “Novos Horizontes”, além das versões pra “Rádio Pirata”, do RPM, e “Quando o Carnaval Chegar”, de Chico Buarque. Em 2002, sai 10.001 Destinos, disco duplo contendo todas as faixas de 10.000 Destinos e mais sete regravações de músicas já lançadas – inclusive do Humberto Gessinger Trio – com a nova formação da banda: Gessinger na voz e guitarra, Paulinho Galvão na guitarra, Bernardo Fonseca no baixo e Gláucio Ayala na bateria.
Surfando Karmas & DNA [2002]
Com essa nova formação, os Engenheiros lançam um disco um tanto controverso, com momentos de genialidade exacerbada e outros de demasiada tosquice. As composições de Gessinger em parceria com Paulinho Galvão (“Pra Ficar Legal”, “Ritos de Passagem” e “Sei Não”) dificilmente me agradam. “3ª do Plural” e, principalmente, “Nunca Mais” (versão de “Lullaby”, de Shawn Mullins), sendo sobras de outros discos, aqui não deixam tanto de sobrar. “Esportes Radicais”, embora traga uma sonoridade já bem anos 2000, com a qual não me identifico muito, é uma faixa de que gosto bastante. “Nem + 1 Dia” apresenta os primeiros traços daquele som mais complexo e dramático que a banda se acostumou a fazer. “e-stória” surgiu de uma ótima ideia, a de fazer uma canção a partir da troca de e-mails de Gessinger com o “ex-Engenheiro” Carlos Maltz, e a ideia deu muito certo, principalmente com a participação do músico nos vocais e de Renato Borghetti na harmônica. Mas os verdadeiros destaques do álbum são as duas últimas canções: “Datas e Nomes”, mais uma belíssima faixa agitada, como as do disco anterior, e “Arame Farpado”, faixa genialmente pesada e envolvente. Surfando Karmas & DNA, como já afirmei, é estranho, inconstante, mas não decepciona.
Dançando no Campo Minado [2003]
Já devo ter perdido o respeito da maior parte dos meus amigos por escrever essa discografia comentada, mas, se alguns camaradas leais ainda persistem a meu lado, é provável que eu perca sua companhia por conta das linhas que seguem. Uma coisa é dizer que os Engenheiros não acabaram com a saída de Licks; uma coisa é elogiar um disco como Simples de Coração; outra coisa muito diferente é dizer que Dançando no Campo Minado é provavelmente um dos cinco melhores discos da carreira dos Engenheiros do Hawaii! E eu o afirmo. É inegável que a banda flertou promiscuamente com as novas sonoridades do rock nacional, mas o fato é que o resultado me soou muito bom! “Duas Noites no Deserto” pode ser facilmente classificada como emocore, mas é uma canção lindíssima, não posso negar. Gessinger mostra à nova geração que pode descer ao terreno deles e jogar uma partida muito melhor que eles próprios. O único defeito desse disco é, curiosamente, a faixa que mais fez sucesso, “Até o Fim”, música tão chata que eu geralmente nem lembro que se encontra no meio desse álbum, manchando o que seria um clássico perfeito. O mais interessante é que os maiores destaques do disco são as parcerias de Gessinger com Paulinho Galvão: “Camuflagem”, “Dom Quixote”, Fusão a Frio” e “Outono em Porto Alegre”. O guitarrista passou a acertar a mão, permitindo a concepção de um disco bem melhor que o anterior. Além destes quatro clássicos, temos ainda a belíssima faixa-título e as duas “Segunda-Feira Blues”, parcerias de Gessinger com Maltz, das quais a segunda parte, cantada por este, é certamente a melhor. Tenho sérias dúvidas de que muita gente vá passar a concordar com a minha apreciação desse disco, mas sugiro que o leitor dê ao menos uma chance a ele: pouco mais de meia horinha não lhe trará tanto incômodo. Saia da zona de conforto; dance nesse campo minado.
Após esse último álbum, a banda se resumiu a lançar discos ao vivo, no caso o Acústico MTV (2004) e o Acústico II: Novos Horizontes (2007) – além da participação no Lual MTV, do qual vale destacar apenas a presença de uma versão de “The Logical Song”, do Supertramp, sob o título de “Fábula”, que, originalmente, sairia no álbum Tchau Radar!. OAcústico MTV conta com três faixas inéditas, “Armas Químicas e Poemas”, “Depois de Nós” e “Outras Frequências”, das quais a menos fraca é “Depois de Nós”, parceria com Carlos Maltz, que participou da gravação nos vocais.
Acústico II: Novos Horizontes, lançado tanto em DVD como em CD, conta com nove faixas inéditas, mas gravadas ao vivo, como todo o resto. Talvez eu pudesse ter dedicado um tópico pra esse disco, mas explico o principal motivo – além do fato de ele ser ao vivo – pra não tê-lo feito. Sabe aquela galera do bairro, todos fãs de Engenheiros, que resolvem montar uma banda cover e, depois de um tempo de estrada, resolvem fazer um som autoral, mas que quando você escuta, você deseja que eles voltem a tocar cover? Isso define exatamente a sensação que se tem ao ouvir esse disco. A única faixa que se sobressai um pouquinho é “Coração Blindado”, cuja letra foi certamente inspirada em “ The Bravery of Being Out of Range”, da carreira-solo de Roger Waters.
Gessinger se reuniria posteriormente com o guitarrista Duca Leindecker (Cidadão Quem), formando o grupo Pouca Vogal, que lançou um fabuloso álbum de estúdio e um disco ao vivo já não tão fabuloso. Um tempinho depois, o Pouca Vogal se desfez, e Gessinger se uniu com outros músicos, passando a excursionar novamente com o nome de Engenheiros do Hawaii, mas sem lançar nada novo de estúdio, por ora.



Discografias Comentadas Engenheiros do Hawaii (Parte I)

Carlos Maltz, Humberto Gessinger e Augusto Licks

Por Adriano “Groucho” KCarão


Com a proximidade da comemoração do dia 20 de setembro (início da Guerra dos Farrapos), feriado no Rio Grande do Sul, e sendo a equipe da Consultoria do Rock constituída em sua maior parte de rapazes oriundos desse povo dos pampas, alegre como o nome da sua capital, eu, cearense, apresento alguns comentários à discografia dessa banda gaúcha que é uma das minhas favoritas do rock em geral.
Apresentamos seis discos, do primeiro até o portentoso Gessinger, Licks & Maltz, último de estúdio a contar com Augusto Licks na guitarra. Na próxima semana – se os separatistas gaúchos não forem bem-sucedidos em seus planos, gerando um racha nada salutar entre os consultores –, veremos a segunda parte da discografia, do singularíssimo Simples de Coração até o último disco de estúdio da banda até o momento, Dançando no Campo Minado.
Como o leitor já deve saber, ou ao menos percebeu neste momento, abordaremos apenas os álbuns de estúdio, mas, obviamente, faremos menções minimamente justas aos seus principais discos ao vivo, que contam com pelo menos duas faixas inéditas, ademais de algumas performances diferentes e inspiradíssimas de canções lançadas previamente. Desde já uma curiosidade: Gessinger, fã de progressivo, sempre quis fazer dos Engenheiros o Rush brasileiro (daí perguntamos: Rush é progressivo?!), não obviamente pela via do virtuosismo, mas lançando discos ao vivo sempre após uma quantidade constante de álbuns de estúdio (isto, pelo menos até 10.000 Destinos, disco ao vivo de 2000), além de a banda ter sido por um bom tempo um trio, com o baixista sendo também vocalista.

Você, que hoje acordou mais cedo, tome seu chimarrão, e nos acompanhe nessa highway: não será em vão.
Longe Demais das Capitais [1986]
Por sorte, eu nem tinha nascido quando os Engenheiros surgiram no mercado musical. Se eu os tivesse conhecido por esse disco, muito provavelmente eu não acompanharia o trabalho da banda, a não ser que quisesse lhe dar uma segunda chance. Apresentando Humberto Gessinger no vocal e guitarra, Marcelo Pitz no baixo e Carlos Maltz na bateria, o disco tem bons momentos, mas a sonoridade não me agrada. É um álbum bem datado, mas nem é esse seu defeito. Além de o baixo de Pitz ficar em evidência de uma forma bem esquisita, as letras são esquisitamente críticas e intelectuais, e a voz de Gessinger tem uma emotividade igualmente esquisita. Com exceção da parte do baixo, essa esquisitice toda me parece ser nada mais que a manifestação do ego inflado de Gessinger, mais visível aqui que nos próximos álbuns. Mas é bom notar que a guitarra de Gessinger era bem interessante, enquanto que o baixo, que ele assumiria nos próximos discos, se tornaria nos mesmos menos sobressalente, embora a performance fosse tão boa quanto ou, geralmente, melhor do que aqui. Além disso, o disco apresenta bons momentos, como “Toda Forma de Poder” (com participação de Nei Lisboa no vocal), “Segurança” e, como tentativa, “Beijos pra Torcida”. Quanto à faixa-título, a única coisa legal é sua introdução. Longe demais ainda de ser o Engenheiros que eu adoro.

A Revolta dos Dândis [1987]
Agora, sim, a banda acertou a mão! O segundo disco de Gessinger e companhia, primeiro com Augusto Licks (que acompanhava o já citado Nei Lisboa) na guitarra, apresenta nada menos que quatro dos maiores clássicos da história do rock nacional, daqueles que qualquer um na rua sabe cantar ao menos um trecho: “A Revolta dos Dândis I”, “Terra de Gigantes”, “Infinita Highway” e “Refrão de Bolero”. E, embora tais faixas sejam músicas realmente lindas e marcantes, em especial “Refrão de Bolero”, a verdadeira jóia do disco é “A Revolta dos Dândis II”, fortíssima candidata a melhor faixa da história da banda, uma das melodias mais perfeitas já compostas dentro do rock pós-anos 70, e uma interpretação igualmente perfeita de Gessinger, no vocal e no baixo. E, falando em baixo, tanto nas faixas mencionadas como nas demais, os desníveis e a desarmonia do primeiro disco, em termos tanto de música como de letra, foram totalmente corrigidos, dificilmente agredindo nossos ouvidos ou nosso intelecto. “Guardas da Fronteira”, com participação de Julio Reny no vocal, é, sim, um pouco forçação de barra, mas não compromete o conjunto da obra. Encerrando, o único motivo que me fez não destacar “Além dos Outdoors” é a profunda dúvida que sinto sobre qual a versão mais fenomenal da faixa, se esta ou a do disco Filmes de Guerra, Canções de Amor (1993), cujo título vem de uma faixa de A Revolta dos Dândis, onde Gessinger divide o vocal com o baterista Carlos Maltz.

Ouça o Que Eu Digo, Não Ouça Ninguém [1988]
A sequência de A Revolta dos Dândis não mantém o nível que a banda havia atingido, mas, levando em conta que este era altíssimo, a banda pode ser facilmente absolvida. Principalmente quando, logo na abertura, a banda nos atira ao rosto essa maravilha de faixa-título, uma lindeza em todos os aspectos, com musicalidade na linha de “A Revolta dos Dândis II”, mas casando perfeitamente com a belíssima e instigante letra. O outro hit do disco, “Somos Quem Podemos Ser” é uma faixa da banda que sempre encarei de forma ambígua: ela possui uma beleza musical inegável, e muitas vezes me agrada ouvi-la, mas algo na sua atmosfera me incomoda, coisa pessoal. Outros destaques aqui são “Cidade em Chamas”, “Nunca Se Sabe” e “A Verdade a Ver Navios”. O restante do disco não é de forma alguma ruim, mas também não é marcante como os melhores momentos da banda. “Variações Sobre um Mesmo Tema” contém um trecho onde Licks assume os vocais, mas a considero uma faixa apenas boa.
Iniciando seu periódico lançamento de discos ao vivo, todos contando com faixas inéditas, os Engenheiros lançam em 1989 Alívio Imediato, cuja faixa-título é mais um clássico inesquecível no repertório da banda e do rock brasileiro. Apesar disso, os melhores momentos do disco são, indubitavelmente, “Nau à Deriva”, também inédita, e a melhor versão já gravada de “Infinita Highway”.

O Papa É Pop [1990]
Já publicamos aqui uma resenha mais detalhada e problematizadora sobre esse disco, na série Os Sete Pecados do Rock Nacional, e você pode conferi-la aqui. O Papa É Pop traz algumas características peculiares, a saber, o uso de bateria eletrônica e um excesso de efeitos e referências sonoras, na linha das colagens que o Pink Floyd costumava fazer. (Inclusive, um verso de “Time” é citado em “Anoiteceu em Porto Alegre”, após o verso “Here comes the Sun”.) O resultado, muitas vezes, foi excelente, como naquelas duas faixas que todos já ouviram até dizer chega, isto é, “Era um Garoto que Como Eu Amava os Beatles e os Rolling Stones”, incrível versão da versão dos Incríveis pra uma canção italiana, e a linda faixa-título, em cuja letra Gessinger se arrisca na sutil fronteira entre o divertido e o ridículo de seus jogos de palavras, conseguindo desta vez um resultado satisfatório. “Pra Ser Sincero” não é clássico por acaso. Uma construção dramática perfeita, mais ou menos na linha de “Refrão de Bolero”, com uma beleza tão inegável que faz quase toda a população brasileira católica fingir que nem escuta o verso “Por ter vendido a alma ao diabo”. Outros destaques são as duas partes da clássica “O Exército de Um Homem Só”, “Nunca Mais Poder” e “Olhos Iguais aos Seus”. A ideia da banda de pôr efeitos de inversão da faixa “Ilusão de Ótica”, a meu ver, não passou de uma boa ideia. O lançamento em CD de O Papa É Pop receberia como bônus a faixa “Perfeita Simetria”, nada mais que a faixa-título com uma letra diferente, mas bem interessante.
Várias Variáveis [1991]
A banda deu uma passada em São Paulo, após algum tempo já em terras cariocas, desde o tempo do disco Alívio Imediato, e passou a se sentir nostálgica de sua terra natal. De acordo com Gessinger, só nesse momento ele realmente se interessou pela cultura gaúcha, o que vem representado aqui na belíssima versão de “Herdeiro da Pampa Pobre”, do Gaúcho da Fronteira, a qual se tornou indissociável da imagem dos Engenheiros e é mais um clássico pra sua carreira. Outro clássico é “Piano Bar”, que eu, particularmente, não gosto tanto como a maioria, mas não nego que seja muito linda e inspirada, inclusive com um dos melhores trabalhos de Licks na guitarra. Melhores do que ela, a meu ver, são as faixas “Ando Só” e “Muros e Grades” (esta com um riff idêntico ao de “Back on the Chain Gang”, canção do disco Learning to Crawl, de 1984, dos Pretenders), as quais, embora já ótimas, aparecem aqui como potências de algo muito superior, o que seria realizado nas versões matadoras presentes no ao vivo Filmes de Guerra, Canções de Amor. O restante do disco varia entre momentos mais inspirados, outros menos, dos quais posso ainda destacar “Quarto de Hotel” e o encerramento com “Nunca É Sempre”. “Sampa no Walkman” é a única que considero realmente fraca.
Gessinger, Licks & Maltz [1992] 
Não sou viúva de Augusto Licks (e recomendo FORTEMENTE a leitura da segunda parte dessa discografia, pra que o leitor entenda bem o porquê), mas, ao ouvir o último disco dessa clássica formação dos Engenheiros – estampada no título do álbum –, realmente paro pra pensar em como teria sido o restante da carreira do grupo com a continuidade desse guitarrista. Gessinger Licks & Maltz (ou GLM) é um disco quase perfeito, genial em muitos momentos, sendo o favorito de boa parte dos fãs. Apesar disso, apenas duas faixas suas constituem clássicos, lembrados por todos os fãs: as belíssimas “Ninguém = Ninguém” e “Parabólica”. Uma característica de GLM é a maior aproximação às influências progressivas de Gessinger, simbolizada no título do álbum e no logo da capa, que imitam, respectivamente, o nome e o logo do Emerson, Lake & Palmer, e podemos ouvir tais influências diluídas ao longo das faixas, especialmente nas três finais. É uma pena que o disco encerre com uma referência àquela “Sampa no Walkman”, talvez a falha maior em todo o álbum, uma vez que “Pampa no Walkman” é infinitamente superior à sua quase xará. “Túnel do Tempo”, “Pose (Anos 90)”, “No Inverno Fica Tarde + Cedo” e “Canibal Vegetariano Devora Planta Carnívora” são absurdas de tão lindas! Os poucos momentos mais fracos do disco não chegam a comprometer uma obra que contém tantas maravilhas. E os Engenheiros do Hawaii podiam até não ter se tornado três que valiam por uma orquestra, mas demonstravam pelo menos serem uma das melhores coisas surgidas na música das últimas décadas.
Após lançarem talvez seu melhor álbum de estúdio até o momento, seguindo a periodicidade mencionada, os Engenheiros lançam em 1993 o ao vivo Filmes de Guerra, Canções de Amor, um disco ainda melhor, muito melhor! Considero esse disco a melhor coisa que a música brasileira já produziu em todos os tempos. Das duas uma: ou eu não devo realmente sacar coisa alguma de música brasileira, ou você, caro leitor que eventualmente não conheça esse álbum, precisa urgentemente correr atrás dele! Ademais das versões matadoras de “Além dos Outdoors”, “Pra Entender”, “Crônica”, “Muros & Grades”, “Ando Só” (mais uma candidata a melhor do grupo) e “O Exército de um Homem Só”, temos as inéditas “Mapas do Acaso”, “¿Quanto Vale a Vida?” (ambas ao vivo), “Às Vezes Nunca” e “Realidade Virtual” (ambas de estúdio), todas ótimas, em especial essas três últimas, peças genialíssimas. Peço perdão pela menção um pouco demorada a esse disco, mas ele é nada menos que meu favorito da carreira da banda, e não é tão exagerado considerá-lo como quase um álbum de inéditas; ouça e confirme!
Depois de Filmes de Guerra, Canções de Amor, como já foi indicado aqui, o excelente guitarrista Augusto Licks deixou a banda, encerrando aquela que muitos consideram a fase clássica do grupo. Ouço bastante gente dizer que os Engenheiros só foram bons ou “autênticos” até esse momento, opinião que não considero apenas errônea, mas ABSURDA, o que procurarei demonstrar na próxima parte da discografia, a qual eu espero que o leitor tenha a paciência de acompanhar. Com simplicidade de coração, sempre.











"DRAGÃO POP MUSIC Humberto Gessinger Fortaleza17/05/14



Mais Dez Anos de Admiração

Quando se é fã de um artista há mais de uma década e você ultrapassa a barreira de uma dezena de shows, é a capacidade desse artista de reinventar-se que mantém a nossa admiração e respeito pelo seu trabalho.

Humberto Gessinger no auge dos 50 anos e com 30 de carreira, é um artista que mantém-se inquieto e consegue, como poucos, manter um alto nível de performance no palco, claro, ele não toca sozinho, é acompanhado, como sempre por bons músicos que fazem boa parte do trabalho de manter o show o tempo inteiro plugado, desta feita os jovens Estevam Tavares, na guitarra e Rafael Bisogno, na bateria. 

Ontem na Praça Verde do Dragão do Mar “subiu” ao palco mais um integrante, responsável por dar ao show características de “messianidade”: o público. Este tornou o show uma lindeza só, interagindo com cartazes em “Somos Quem Podemos Ser”, jogando balões coloridos em “De Fé” e cantando com afinco todas os trechos das músicas deixadas carinhosamente pelo Agagê.

Outro grande destaque, e que na minha opinião o principal responsável por ter colocado o show na galeria do “memorável”, é a interação do Humberto com a plateia, sendo visível em pontos altos, a sua emoção. Os novos arranjos para músicas como “Ilex Paraguariensis” e as sampleadas deram uma rejuvenescida no setlist “clássico” – digamos assim –, que contou ainda, é claro, com “Infinita Highway”, “Muros e Grades”, “Exército de Um Homem Só” (I e II), “Surfando Karmas & DNA”, “Eu Que Não Amo Você” e “Pra Ser Sincero”, estas duas particularmente mexeram bastante com quem vos escreve por questões pessoais, coisas do coração.

Enfim, de uma coisa tenho certeza, acho difícil ir a um outro show do HG tão bom quanto esse, pelo menos não nos próximos dez anos. Valeu Agagê.

Por Nando Rodrigues

Foto Marina Cavalcante




Página inicial